Na terceira exposição da série Eco)))o promovida pelo Yázigi, Tamara Andrade e Célia Barros, expõem projetos recentes.


Os Inutilitários, de Célia Barros, questionam a noção do fazer e o Projeto Lux, de Tamara Andrade, investiga o movimento das imagens animadas, em especial o caminhar.


Por meio de registros fotográficos de performances feitas com cerâmicas, que a própria artista produziu para este fim, Célia Barros vai à procura do momento mágico em que o homem ao mesmo tempo em que transforma a matéria e as coisas ao seu redor, também transforma a si mesmo.


Caminhar é a forma de deslocamento ancestral do homem e fundamenta suas noções de percurso para dentro e para fora de si. É em torno desta atividade que Tamara Andrade fundamenta desenhos e gravuras seqüenciais, que colaboraram para a finalização da animação Lux.


Conforme os interesses das artistas aproximam-se da Psicologia Evolucionista ou da Antropologia Física, os trabalhos alinham-se com dois fatos importantes da evolução humana, o surgimento do homo habilis e do homo erectus.

Foi nesta relação com o princípio de nossa história evolutiva que ambas encontraram o ponto aglutinador de seus interesses. Da instigante interação entre as capacidades motoras e o posterior desenvolvimento do aparelho psíquico surgiram as questões das obras que serão apresentadas.


Talvez seja pertinente a discussão do tema tendo em vista a atual situação do planeta, porque certas respostas podem vir de um tempo ancestral. Afinal, a questão apresentada pelas artistas ronda a relação do homem com a sua própria natureza e com a do meio ambiente que o cerca.


Para que os dois trabalhos mantenham suas poéticas particulares e ao mesmo tempo permitam uma relação entre seus interesses comuns, as duas autoras decidiram criar um ambiente único para as obras, imerso em luz e sombras para que o visitante da exposição envolva-se com a proposta de pensar seus próprios deslocamentos e ações sobre as coisas.



Tamara Andrade



Pensando a exposição

Se tivesse apenas uma chance qual seria a pergunta que faria a um artista?


Lançamos essa pergunta para algumas pessoas querendo investigar a mediação entre a arte e o espectador. Funcionou como pano de fundo e ponto de reflexão para preparar a exposição.

Aqui você pode ler as perguntas e respostas na sua totalidade.


ABÍLIO BARROS, funcionário aposentado.

O que representa para si a arte:

- Criar algo que nunca ninguém pensou?

- Transmitir ao público sensações, mensagens, interpretações?

- Satisfação e realização pessoal do resultado duma obra de arte?

- Perpetuar o artista para além da vida?


CÉLIA - Embora ache que essas questões estão presentes no artista, não creio que estejam na obra de arte. A originalidade é apenas um fio condutor, como um pinga pinga que se torna num pequeno fio de água e se vai esgueirando em busca de novos caminhos.


A comunicação é fundamental a meu ver, sempre de alguma maneira ela existe, mas não é o cerne da questão ela é inerente ao fato da obra de arte existir. Satisfação, realização, claro como qualquer desafio, como beber um vinho do porto depois do jantar. Mais do que perpetuar o artista, eu diria marcar o tempo que foge.

Acho que para mim, a arte representa ir à missa.


TAMARA - Tenho a impressão de que fazer arte é parir algo essencial do ser humano, algo daquilo que todo mundo pensa, sente, sonha. Arte tem o efeito de transmitir e renovar as coisas próprias, essenciais do homem. A satisfação está em reconhecer-se neste estado místico de pertencimento.


Ocorre em momentos breves,mas que todos nós sentimos quando percebemos a força do fazer, do cumprimento de uma atividade. Toda atividade deveria ser reconhecida como a afirmação desta verdade, mas isso quase sempre soa como utopia, delírio.


Talvez, neste mundo civilizado que parece perder sua capacidade sensível – ao menos aquela reconhecida como tal – a arte ainda seja um reduto da atividade humana admitida como ritual de compreensão desta realização humana livre, sem outras funções a não ser a de estar renovando-se, reconhecendo-se, afirmando-se.


O artista é uma ficção, uma invenção da sociedade civilizada e sua função, neste sentido social, é reinventar a noção de liberdade, esta espécie de estado de desopressão, de quase eternidade, talvez contra aquilo que mais tememos: a morte, ou melhor, aquilo que a morte significa para cada um.


AUGUSTO SAMPAIO, artista plástico.

Qual foi o artista que exerceu uma influência fundamental em seu trabalho?


CÉLIA - Para mim é difícil perceber uma clara influência de algum artista. Eu diria, antes de qualquer outro, Eulália Valldosera, mais pela permanência do seu trabalho no meu pensamento, que aborda questões sobre a vida que me interessam muito. Às minhas perguntas (aquelas que faço a mim mesma) Valldosera responde com mais questionamentos o que torna o seu trabalho uma fonte inesgotável de ideias.


TAMARA - Conforme o desenvolvimento do meu trabalho, as influências mudaram. Outra coisa que ocorre comigo é gostar muito de uma fase ou de alguns poucos trabalhos de um artista.


Também sofro influência de artistas de outras áreas, principalmente da literatura, mas que também mudam conforme a época e a experiência. Ano passado, por exemplo, conhecer mais a obra de Duchamp foi fundamental para que meu trabalho pudesse transformar-se. Ler Orlando, de Virginia Woolf também.


Talvez a influência mais insistente seja a de William Kentridge. O modo como ele faz o trânsito entre a intimidade e as questões políticas são fundamentais para que eu mesma perceba o quanto estas últimas podem compor o pano de fundo das questões subjetivas. Esta dinâmica entre o particular e o universal tornou-se urgente para mim. Além do mais, estou fascinada pelo desenho em movimento.


RENATO ANDRADE, diretor Yázigi São José dos Campos, SP.

Há algum ponto onde a estética se encontra com a pura expressão do sentimento?


CÉLIA - Acho que esse é o ponto “G” da arte: Cadê ele??? Existe ou não existe?

Na verdade essa tem sido a grande questão da modernidade. Hoje o discurso sobre arte se liberou um pouco dessa ideia e se centrou em outras, como o lado social da arte, entre outros.


Para responder à tua pergunta tenho de refletir na palavra estética. É uma palavra com uma larga tragetória. Não podemos ignorar que por muito tempo se referiu ao belo, passou por várias crises e que hoje se encontra um pouco incerta, sendo mais um ramo da filosofia do que um ponto assente.


O dicionário Michaelis da UOL diz o seguinte:

Estética: sf (gr aisthetiké) 1 Estudo que determina o caráter do belo nas produções naturais e artísticas. 2 Filosofia das belas-artes. 3 Harmonia das formas e coloridos.


Acho que podemos dizer que sim, que esse ponto de encontro da estética com o puro sentimento existe das mais variadas maneiras. Quando a estética é a forma poética de se referir a alguma coisa, seja na escrita, na música ou nas artes plásticas, existe um encontro entre o trabalho da linguagem por ela mesma e aquilo que se expressa.


TAMARA - Bem, este é um ponto mutável pois estão em questão, com grande ênfase, os critérios subjetivos. Por isso acaba mantendo relações com outras áreas de ação humana, até mesmo com o místico.


Enfim, não é fácil reduzir a uma explicação única aquilo que envolve aspectos múltiplos da vida. Afinal, o que me faz sentir que algo é belíssimo e até comovente quando para outra pessoa não é nada mais do que interessante?


Há um mês, estava pensando a respeito de uma experiência estética que tive e percebi que é comum acharmos algo bonito porque aprendemos a reconhecer beleza naquilo. No entanto, é mais delicado reconhecer quando experimentamos o sentimento estético. Porque este tipo de experiência não está ligado somente ao objeto, aos sentidos ou a ocasião oportuna.

Não sei como explicar melhor. Isto não é fácil. Hegel que o diga!


Deixo duas frases sobre estética: “O belo é o brilho do que é verdadeiro”, de Joseph Beuys e “A beleza está no coração da verdade”, Andrei Tarkovsky.


ADRIANO CASANOVA, curador da Baró Cruz Galeria de Arte, São Paulo, SP.

Posso ter mais de uma chance?


CÉLIA - Depois de agarrar primeira, as outras são fáceis.


TAMARA - Sua pergunta me fez divagar sobre o significado desta palavra: chance.

Eu vejo o futuro como uma fonte inesgotável de chances e o passado como o fosso das chances usadas...

No entanto, ter todas as chances do mundo não significa muito se eu não usar agora ao menos uma, e diante dela, as que se passaram perdem o sentido.


O tempo presente é a chance que se tem, ele é o tempo oportuno.

No mundo atual, tão ameaçado por tantas crises, eu me preocupo com o desperdício de

um bem tão precioso: o tempo oportuno.


A caminho de casa eu vejo pessoas à margem deste tempo, sem chance para coisa alguma.

Eu me preocupo em perceber quais são as minhas chances agora.


AKIRA UMEDA, artista plástico.

Perguntaria, às duas, aquilo que não tem a menor importância para ninguém, mas que atrai cumplicidade ou irritação (Barthes. R.). Assim, “Gosto, não gosto”:

· Gosto de (pelo menos 30 ítens; por exemplo: salada, Händel, trens, o serrano às sete da manhã saindo de Salamanca etc);

· Não gosto de (pelo menos 30 ítens; por exemplo: mulheres de calças, a fidelidade, as noitadas com gente que não conheço etc).


CÉLIA - Gosto de açaí com granola, dançar sem coreografia, frutas tropicais ou não, sabores estranhos, idiomas, o vento do litoral português, saudades, ler na cama ou no sofá, aprender, roupa confortável, pijamas quentinhos, experimentar viver, começar de novo, o mar em dias de chuva e o mar em dias sol, Ubatuba, que me deixem em paz, vencer desafios, gravura no Brasil, daquela sensação de quem já foi à missa depois de ver uma boa exposição, metáforas, carecas, que alguém me ajude a conhecer boa musica, semana da canção brasileira em São Luiz do Paraitinga, Chillida, Valldosera, Aernout Mik, as coisas que o Akira diz.


Não gosto de couve verde, gente chata, horários rígidos, mentir, corar sempre que tenho vergonha, frio no Brasil, saltos altos, lingerie com renda, roupas com babados, cor-de-rosa, pinga, aniversários, casamentos e batizados, da minha fraca memória, música chata na academia de ginástica,não perceber nada de musica correr, gravura em Portugal, a pintura de Ademir Martins, modas, desânimo, não entender, transportes públicos no Brasil, limpezas, não me apaixonar por 3 homens ao mesmo tempo, quando o Akira é um chato.


Tamara: Gosto de banana, pera, mamão, doces, tomar sol, caminhar, da tarde, borboleta, passarinho, gato, osso, olhar as coisas, Claudio Monteverdi, viola da Gamba, fagote, tambor, louça secando no sol, cantar, limpar a casa, conversar, do Egídio, da minha família, dos amigos, trabalhar, produto de limpeza, entrar em cachoeira, estrada, entender o que li, desenhar, subir em árvore.


Não gosto de ônibus lotado, congestionamento, sentir frio, intriga, ladrão, prepotência, perder as coisas, pressa, criança mimada, lamúrias, doença, intromissão excessiva, dobradinha, fígado de boi, ficar de pé por muito tempo, auto-elétrica testando som de carro, horário político obrigatório, falta de recursos, cavalo selado, animal ferido, tortura, desperdício, ter muito pêlo na perna, magoar alguém, Caetano Veloso, sentir ciúmes, pulgão, fanatismo, pimenta, fazer conta de cabeça.


ANALÚ OLIVEIRA, livreira.

A resposta é mais importante que a pergunta?


CÉLIA - Responder é aceitar um desafio. A pergunta é onde tudo começa e jamais acaba. Existem mil respostas diferentes para uma única pergunta, por isso eu diria que a pergunta tem vida eterna. Mas imaginar uma pergunta ao ar, vazia, sem resposta também é demasiado triste.

Pergunta e resposta são fruto de um diálogo, esta série de perguntas, por exemplo, que vocês se dispuseram a fazer, refletem o mundo em que nos encontramos e os espaços vazios por preencher.


TAMARA - Certa vez, durante uma aula de escultura, minha professora, a artista Ana Tavares, disse que uma obra de arte pode ser uma pergunta. Achei isto muito importante por que quem responderia a esta pergunta seria o público, imaginei. Assim sendo, a obra não acaba nela mesma, ela reverbera naqueles que se dão ao trabalho de ir ao encontro dela.


A partir disso, passei a me importar muito com as perguntas. Afinal, a pergunta tem uma origem: a dúvida. Ter uma dúvida é ter um pensamento em formação.

Isso é maravilhoso porque pensar é difícil!


Na maioria das vezes divagamos a respeito das coisas sem darmos importância ao que nos conduziu a tais e tais questões. Mas são as nossas dúvidas que estão ali, encobertas por uma névoa de divagações.

Toda vez que faço um trabalho, tento prestar atenção às coisas que ele une. Por meio dele, tento descobrir a pergunta que ele me faz.


Sem perguntas, não há respostas.


BETO GUILGUER, artista plástico.

Porque existem: o sofrimento, a culpa e o medo?


CÉLIA - Não sei responder. São sentimentos que pertencem à vida tanto quanto os seus contrários, mas se falássemos em alegria, descompromisso e tranquilidade não haveria motivos para nos preocuparmos. Um artista está tão exposto a estes sentimentos como qualquer outra pessoa e não creio que o seu trabalho possa exorcizar isso de alguma maneira. Inclusive se optar por trabalhar exactamente esses temas. Ele poderá ter maior conhecimento sobre eles, mas terá que continuar a lidar com eles.


Agora, o fato de construirmos um repertório sobre determinados assuntos humanos, que se referem à experiencia humana e que podem ser encontrados nos vários campos das artes como literatura, musica, teatro, dança, cinema, visuais podem sim nos trazer uma maturidade na hora de lidar com esses assuntos. Ou seja, acumular experiencias sem as precisar de as ter de viver, alcançar uma maturidade ao invés de um contínuo começar de novo. Isso não quer dizer trocar a vida pela biblioteca ou pelos museus, mas sim, viver a vida de forma mais plena tendo maior consciência do que acontece.


TAMARA - Por um lado, esta é a condição humana.

Eu não gosto de sentir isso, mas não imagino sentir compaixão por alguém, senso ético ou alegria sem o horizonte do sofrimento, culpa e medo. Sem esta tríade, talvez fosse impossível o conhecimento. Mas o excesso dela nos conduz à loucura.


É isso que eu concluo ao imaginar toda a comovente compreensão do homem e da natureza na obra de Van Gogh. Parece que ela existiu exatamente entre estas duas fronteiras, no espaço entre a dor de perceber os sofrimentos dos mineradores e a sua loucura final.


Por outro lado, também é verdade que o homem é o único animal que adia a realizações de seus desejos, ou ainda, segue na direção contrária a eles. Por que fazemos isso?


Os animais sentem medo e dor, mas parece que nós humanos transgredimos esse limite conforme nos civilizamos. Pouco a pouco adquirimos a capacidade de sofrer por muitas coisas e também de nos arrependermos.

A redenção ou a loucura são as saídas que imagino neste momento.


CARLOS MONROY, artista plástico.

É notável que o público geral, não aquele especializado, tem problemas quando fica próximo da arte contemporânea (sem subestimar o público, claro!). Quais são as ferramentas usadas na hora de expor seu trabalho pra permitir a todos uma “compreensão” da obra, ou, se você não acha necessária essa compreensão, de que forma seu trabalho deve ser entendido, analisado e comentado por aqueles que não “entendem” de arte? E para aqueles que entendem devem existir alguma diferença de diálogo com a obra?


CÉLIA - Creio que me preocupo bastante com isso, de uma maneira por vezes quase manipuladora. Para mim, o trabalho deve ser dado: exposto. Está ali à disposição. Por isso procuro não diferenciar públicos, embora aquele que mais me interessa seja o não especializado. É difícil condensar num momento curto e efémero, como o da exposição, pensamentos por vezes bastante complexos que tiveram lugar durante o processo de criação. Evito que seja necessário ler um texto para compreender a obra. Os textos existem, mas como complemento, fazem parte do trabalho, mas não o justificam, não aclaram; apenas acrescentam ou ampliam os olhares.


O momento da exposição é aquele em que a obra está viva. Por isso me preocupo em desenhar o espaço expositivo, conceber a leitura, provocar o encontro.


TAMARA - Por um acaso este público geral, como você define, entende um quadro de Monet ou de Da Vinci? Estamos em terreno minado! Do que é que este público geral se aproxima com facilidade nestas obras?

Esta idéia de público geral é vaga e globalizada.


O público geral é amplo demais para que se pretenda atingí-lo. O público geral para mim é outra ficção e como tal, acredito que cada artista deva imaginar seu público, sua alteridade. O público que se pode imaginar é aquele que necessariamente colaborará para a definição dos rumos de um trabalho, tanto para o bem quanto para o mal.

Cada transformação do trabalho implica numa mudança da visão que o artista tem do público para a sua obra, tanto quanto sua motivação e o modo de fazer arte mudam.


Alguém faz algo que não implique alteridade, relação?

Neste caso, com quem você se relaciona?

A resposta a essa pergunta indicará seu público. Ele pode ser minúsculo e permanecer assim, ou ampliar-se para fora do seu alcance.


Quando eu penso para quem faço o meu trabalho, não imagino que este alguém seja tão diferente de mim.

Ultimamente, eu também imagino ser outra pessoa...

Imagino as pessoas que poderão visitar meu trabalho. Tento me criticar e gerar perguntas a partir deste ponto de vista difuso e difícil.


Entende como isso é uma invenção?

Mesmo se eu usasse uma estatística, ela também seria uma invenção.

Procuro não subestimar o outro, por isso nunca pretendi ser didática.

Nunca desejei que meu trabalho fosse entendido de uma única forma e sempre estou disposta a conversar sobre as impressões que as pessoas têm do meu trabalho. Estas pessoas são o meu público. Este aspecto do trabalho não escapa da contingência, do porvir.


CÉLIA BARROS, artista plástica.

O que fazem os nossos trabalhos juntos numa sala?


CÉLIA - Estão a conversar.

E descobriram que tinham muito a dizer.

É uma conversa aberta, exposta a todas a visões e interpretações, passível de criticas e compreensões.

Tomara que digam algo de interessante, pois é isso que levaremos para casa.


TAMARA - Nossos trabalhos procuram demarcar territórios para si mesmos, quiçá evoluam para uma relação de tensões e aproximações. Acredito que, por mantermos uma relação de amizade, nossos trabalhos possam realizar uma coisa muito bonita: eu a ver me vendo.


Neste caso, o que isto poderá significar para mim, para o meu trabalho, para o que ele será depois?

O que isto significará para você, para os freqüentadores do Yázigi, ou para os nossos amigos?

Isto é a coisa mais constrangedora e mais real para mim.


É claro, talvez isto atravesse a exposição sem que ninguém se dê conta. Talvez isto jamais se realize. Talvez seja instantâneo e efêmero e necessite acender a todo instante. Talvez não ultrapasse o limiar das minhas expectativas. Talvez ele seja a minha imaginação desejando tomar lugar na sua.


CRISTINA SUZUKI, artista plástica.

Porque você faz arte?


CÉLIA - Começa-se por algum motivo, o meu foi a vontade de desenhar. Às vezes parece uma armadilha, porque esse desejo tão simples é uma espécie de barca sem rumo. O meu desejo foi aprender a desenhar.

Só depois vi que o desejo verdadeiro era o de aprender. O bom de se passar o dia trabalhando com arte é que você passa o dia vivendo a vida, pensando e aprendendo sobre ela. Você não é o mesmo depois de ver quatro exposições, de ver cinco vezes o mesmo trabalho de um artista. E o teu próprio trabalho, se está vivo, obriga-te a te questionares e a te transformares. Você se sente humano e vivo.


TAMARA - Sou muito comovida com as coisas. Sempre gostei de olhar as coisas, de deixar o olhar seguir detalhadamente para qualquer coisa que o atraísse.


Chegou um momento em que isto passou a fazer muito sentido para mim, dava-me a dimensão da minha existência.

O modo de olhar tornou-se específico, aos poucos priorizei o trabalho com as mãos e com a memória de tudo o que via. A tal ponto que eu fui ao encontro de felizes coincidências exteriores a minha vontade, que me aproximaram deste universo amplo da arte, e percebi que fugir disso seria fugir daquilo que me oferecia a noção da minha realidade.


DENISE ARDO, técnica de programação do Sesc.

Qual a participação do artista no processo de mediação/aproximação entre fruidor e a obra de arte?


CÉLIA - A educação pela arte e a mediação em torno da arte são dois temas distintos que não se devem confundir com o fazer artístico. Arte é pensamento, é uma área do conhecimento humano. Se compreendermos que pensar é se educandar para perceber a relação da arte com a educação. No entanto, ocorrem erros frequentes quando se tenta tornar esta relação demasiado óbvia, como por exemplo, se pensarmos que só é possível aprender arte se aprendemos uma técnica ou fazermos uma oficina em que o artista é colocado na posição de professor, que só assim ele pode traduzir arte em conhecimento. O comprometimento do artista deve se centrar na geração de pensamento, estimular diálogos e questionamentos, não deixar nada parado.


Já a questão da mediação é um problema que se torna importante nos dias de hoje, tanto pelo afastamento da sociedade em relação à arte como pela especialização e fragmentação de todas as áreas da vida. Normalmente a mediação tem um papel de aproximação e preenchimento de vazios. Aqui, o comprometimento tem de ser de quem oferece o objeto/evento/momento artístico. O artista pode criar obras que incidem nestas questões, mas reduzir o seu trabalho a isso pode torná-lo meramente eventual, espectacular, vazio de sentido. Penso que não podemos exigir dos artistas uma “atitude geral” que preencha as lacunas do momento. Já se exigiu arte panfletária, arte contestatória, arte pela arte, dependendo do momento social o público ou as instituições “pedem” (e validam) um determinado tipo de arte. Uma coisa é ter uma produção que se insira num contexto atual, ou seja, uma produção viva. Outra coisa são modas e demandas.


Volto a dizer que hoje a mediação torna-se muito importante para frutificar os encontros, mas esse é papel do “agente cultural”.


TAMARA - Acredito que o aspecto educativo seja uma etapa posterior do trabalho e que o artista não deve se preocupar com ele antes de uma exposição ao público.


Ele não deve ignorar o público, assim como não deve ignorar o local da exposição, isto não é bom para o trabalho. Não significa que o público deve ter um peso maior do que o da realização da obra.

O artista não precisa ser didático, nem ter todas as respostas prontas a respeito de seu trabalho, muito menos respostas fáceis que dêem a entender que o público seja homogêneo. Isto seria subestimar a inteligência e sensibilidade de cada um.


O artista lida com a reprovação porque este é o ônus da relação de respeito ao público, um respeito sutil, aquele que se aproxima do fato de que cada pessoa compreende o mundo a seu modo.

Acredito que o artista jamais espera criar uma obra média para satisfazer a média das pessoas. Ao contrário, ele sonha em atingir o universal, aquilo que está no cerne do particular. Esta é uma tarefa ingrata quando o artista erra o alvo ou a compreensão do assunto é variável.


Muitas características de um trabalho tornam-se patentes depois de muito diálogo, de relação intensa com o público. E isto não dá para prever exatamente antes da exposição.


GIANCARLO RAGONESE, artista plástico

Célia, no caso dos "inutilitários", gostaria de saber se eles estão ligados a trabalhos anteriores que acabaram servindo de ponte para seu aparecimento.

Os inutilitários se desvinculam do caráter "artesanato" enquanto produto final (obra-objeto)? Se a resposta for sim, qual a razão para esta afirmação? Seria principalmente o fato de não terem um caráter exclusivamente voltado para um objetivo especificamente prático que normalmente um artesanato carrega?

Mesmo sendo esse o caso. Sabemos que muitos artesanatos não carregam exclusivamente um objetivo utilitário, no sentido mais prático da palavra, como por exemplo, um pote de cerâmica que tem função de conter líquidos. Alguns objetos artesanais têm funções simplesmente de ornamentar, enfeitar. Até que medida os seus "inutilitários" não carregam essa função?


CÉLIA - Os “inutilitários” surgiram de uma pergunta sobre o porquê do fazer. A relação que têm com trabalhos anteriores está na técnica, uma temática que já abordei várias vezes no campo da gravura.

Acho que os inutilitários só se desvinculam do caráter de “artesanato” ou até de “design” pelo uso que eu lhes dou: não os submeto a uma reprodução exata (por enquanto). Eu os apresento como instalação artística porque isso me interessa, é esse o proveito que quero tirar e o uso que quero fazer.

De resto, os “inutilitários” têm grandes vínculos com esses conceitos, especialmente o de design, que melhor exprime a relação forma-função. Mais do que artesanato se poria a questão do “artesanal”, que hoje faz tão pouco sentido. A pergunta que eu me faço é: qual é o sentido de fazer hoje? Fazer porquê?


JOSEFINA NEVES MELLO, escritora.

Tamara, que metáfora doméstica elas [as cadeiras] traduzem nesse seu universo feminino e ambivalente de sua obra?


TAMARA- As cadeiras não eram exatamente uma metáfora, eram mais uma metonímia. Como lugar possível de receber alguém, eu deixava que a cadeira ocupasse todo o potencial desta presença. Tomei o lugar vazio pela totalidade de uma presença. A partir de uma negação da imagem humana, procurei afirmar o potencial de sua existência.

Busquei reforçar ainda mais este potencial pela utilização da costura, atividade que se associa às atividades manuais, à artesania. Porém, a costura feita à máquina tensionava ainda mais este jogo entre presença e ausência, sobrando apenas para os gestos que direcionavam o desenho das linhas, o rastro do humano.


JULIANA LORENZO

Considerando todas as manifestações artísticas atualmente presentes, defina arte em paralelo com a arte contemporânea?


CÉLIA - Para definir arte apenas consigo citar o Levi-strauss: “Suprimir ao acaso dez ou vinte séculos de história não afetaria de forma sensível nosso conhecimento da natureza humana. A única perda irreparável seria a das obras de arte que esses séculos teriam visto nascer. Porque homens não diferem, e até mesmo não existem, a não ser através de suas obras. Somente elas fornecem a evidência de que, no decurso dos tempos, entre os homens, alguma coisa realmente ocorreu” (C. Lévi-Strauss: Olhar. Escutar. Ler. Edição original em francês, 1993).


Arte é um desses conceitos que se altera com o tempo, dentro de cada sociedade e dentro de cada ser humano. Penso que a cada dia o meu conceito de arte se transforma, e creio que isso é um sinal de que se trata de um conceito vivo, cresce comigo, movimenta-se na sociedade em que vive.


É importante reconhecer a arte que existe nas mil maneiras de estar na vida, como o design, o artesanato, a música, a moda, sem estas se travestirem de contemporâneo… Por outro lado, é importante reconhecer que esta sociedade dificilmente se liberta de categorias, e como tal, é importante saber ler as etiquetas.


TAMARA - Talvez arte seja um modo de friccionar a mente.

Todo povo, toda época, toda pessoa tem sua arte.


Os resultados dela somados a todos os hábitos de vida formam a cultura. Esta digere a arte, torna-a assimilável, mas a arte sempre se reinventa, situa-se para fora do que é compreensível.


A arte está do lado inquieto do homem.


A arte contemporânea, cuja enorme ação apenas podemos nomear a partir dos limites da nossa cultura “ocidentalizada”, ou seja, de um ponto de vista restrito e parcial, é o resultado de uma assimilação das questões da arte moderna e a problematização dos paradigmas herdados dela. De maneira muito crua, consigo dizer dois deles: a arte inserida na vida e a abolição da especificidade das áreas.


As crises da primeira metade do século XX exacerbadas pelas inúmeras ditaduras, pela guerra fria e a revisão de valores sociais da década de 60 foram o pano de fundo para a constatação de que um outro modo de identificar a arte deveria surgir.


LÉLIS TOLEDO, professora.

Quando vejo a série "Inutilitários" me pergunto: Por que procuramos em tudo, inclusive na arte sua utilidade?

Por que as "coisas" tem que ter um caráter utilitário?

A arte não deveria bastar-se por si mesma? Sua total utilidade não poderia ser simplesmente a expressão do artista sobre suas impressões?


CÉLIA - Fazer para quê? É a necessidade que provoca o fazer. Neste projeto existe a necessidade de pensar o fazer. A descoberta de um objeto manufaturado que pode conter mais do que o meu corpo. O corpo se expande em inúmeros continentes, mudando a minha relação com o meu corpo e o mundo.


Nos “inutilitários” o que procuro é aquele momento em que o útil se transforma e a utilidade passa a estar na descoberta de novos usos. Aquele momento em que o objeto (coisa fabricada) te olha de frente perguntando-te quem és tu que me usas?


Os “inutilitários” referem-se sempre ao útil, inutilizáveis apenas num sentido mais comum, mas com múltiplos usos possíveis. A utilidade da arte, também é múltipla, pese não a considerarmos uma necessidade básica. A partir do momento em que ela “serve” de expressão para alguém, também serve automaticamente de linguagem para outros, poder ou demonstração dele, pensar e questionar, entretenimento, diálogo, colecionismo etc.


MARCELA HARRISBERGER, orientadora Pedagógica do Yázigi Esplanada, São José dos Campos, SP.

Sempre imagino a linha de raciocínio do artista quando criou a obra. Será que ele pensou no resultado final e então começou o trabalho, ou ele começou o trabalho e o resultado foi uma sequência de ações não pensadas previamente?

Como você trabalha neste sentido?


CÉLIA - No meu caso costuma ter uma vontade inicial. Pode ser um tema, pode ser um material, um pequeno desenho. Quando essa “coisa” permanece na cabeça durante algum tempo costuma virar um trabalho. As ações são sempre premeditadas, mas ao fazer acontece geralmente um desdobramento: o que queria não deu certo, perdeu o sentido, o erro da origem a uma solução, o acerto me dá mais ideias. É frequente me perder na ansiedade das ideias.


TAMARA - Bem, o processo de trabalho de um artista nasce da realização de muitos trabalhos. Este processo não é uma receita, algo que ele repita indefinidamente. O trabalho conforme amadurece ao longo dos anos vai exigindo sempre renovação.


Isto exige percepção aguçada, porque muitas vezes o próximo trabalho surge de caracteres mal sucedidos em trabalhos anteriores. Muita coisa nova vem da “lata de lixo” das obras. Geraldo de Barros disse que não existe sobra para o artista. Eu concordo com ele!


Não acredito em resultado de antemão, mas pode existir uma imagem difusa, perfeita e exigente por trás de um trabalho final.


No meu caso, existe um fantasma da obra final. Algo que sou capaz de perceber sua existência, mas que não consigo defini-la a não ser que eu trabalhe muito.


Às vezes, uma exposição inteira acaba existindo sem que eu consiga dar cabo deste fantasma. Ele me assombra por anos antes que se possa esgotar.

Talvez seja por isso que Hamlet faça tanto sentido para mim.


PAULA SANTOS, artista plástica.

É a arte uma resposta ou um questionamento da vida?


CÉLIA - Acho que a palavra que mais se aproxima é questionamento, ainda que questione sempre com propostas que podem parecer respostas. É como responder a uma pergunta com outra pergunta. É sempre uma resposta inacabada.


TAMARA - Uma resposta muitas vezes deflagra um questionamento. Eu acredito que agir é um modo de responder, mas as atitudes revelam pouco além da imprecisão. Por isso tenho uma tendência a acreditar que a esfera de ação da arte intersecciona muito mais o campo do questionamento do que o da resposta.


PETRA RAMOS GUARINON, professora.

O que faz um artista respirar e viver a (e da) sua Arte, apesar das dificuldades encontradas?


CÉLIA - Teimosia e mau feitio.


TAMARA - Em primeiro lugar, acredito que seja o próprio fluxo constante de sentidos que, do cotidiano mais ordinário às experiências mais sutis, a vida propicia a todos.


A dificuldade está em fazer algo. Fazer algo parece ser sempre a dificuldade a ser vencida.

Em segundo lugar, o esforço. O artista trabalha muito, muito mesmo. Nunca vi uma boa obra que não seja o esforço de uma grande concentração de recursos e vontade.


ROSÁRIA CASQUINHA SILVA, relações públicas.

Se fosses uma tela, quem gostarias que te pintasse? E porquê?


CÉLIA - Posso pensar que sou uma tela, se pensar que a arte está na vida e ver o meu corpo presente como uma obra de arte, mas isso tornaria as coisas muito passivas para o meu lado. Seria levada a pensar que Deus é o artista, ou as energias, ou qualquer outro ente metafísico. Sou muito pragmática e tendo a achar que a arte está na terra e é um conceito inventado a certa altura, que se transforma em todos os momentos. O artista é aquele que se propõe a fazer. Passar para o lado de dentro. Passar a ser o objeto, não é uma ideia que me apraz, uma vez que prefiro agir para transformar.


TAMARA - Gostaria de ser uma tela para que Cèzanne pintasse em mim uma de suas paisagens.


Na verdade, há uns quatro anos atrás, eu li alguns textos sobre ele e acabei formando a impressão de que ele privilegiava locais em que não precisasse incluir seres humanos.(Privilégio que eu buscava no meu próprio trabalho).

Aliás, até as pessoas que ele pintava me pareceram apagadas de expressões humanas.


No entanto, fui atraída pela atmosfera dos quadros tomada por forças que estruturavam todos os elementos. Difícil haver uma sombra gradual entre eles. Os quadros eram feitos de oposições entre as coisas para que deste conflito resultasse uma harmonização por estas forças. Ele colocava elementos dissonantes num mesmo quadro para que da convivência dramática pudesse surgir ao menos uma pacificação. Eu imaginava estar diante de uma cena de teatro!

Gostaria de ser uma tela para, na verdade, fazer parte da dinâmica da cena de um drama existencial que Cèzanne soube muito bem revelar.


SIBELE FERNANDA SILVA, psicóloga.

Podemos aprender entrar dentro de uma obra de arte, ou isto é um dom?


CÉLIA - Não é porque uns tem mais facilidade que os outros se tornam inaptos. Não acredito num dom, mas sim que uns temos mais facilidade para algumas coisas que outros. Eu não tenho dom algum para a matemática, no entanto sei usá-la quando a necessito, e não só nas compras do supermercado. Acho que para entrar dentro de uma obra de arte basta estar disponível, mas assim como para a matemática é preciso persistência.


Uma pessoa que domina e conhece bem as linguagens artísticas precisa estar sempre em forma. Ágil. Com a “tabuada” na cabeça para acelerar o raciocínio.


A diferença da matemática é que na arte, a cada olhar o resultado se transforma. Não é uma ciência exata é um fazer humano. Não existe certo ou errado, existem conceitos abertos a serem trabalhados (por cada um e por todos).


TAMARA - Não podemos entrar dentro de todas as obras porque nem todas as obras de arte nos interessam do mesmo modo.

Podemos descobrir com quais obras temos afinidades. Aquelas que nos conduzem para o seu “interior”, quer dizer, para a sua complexidade. O que não deixa de ser também a nossa própria complexidade revelada.


Primeiro, temos que conhecer um pouco de nós mesmos, quais os assuntos que nos afetam e que talvez por isso nos causam maior interesse. Depois, basta não ter vergonha de perguntar e ficar atento, sensível ao que os outros tem a dizer de muitas formas. Aí, a gente acaba encontrando muitas obras, muitas coisas que o homem faz e que são muito ricas.


Será que estamos dando o nome certo? Falta de dom, falta de acesso, falta de vontade? Talvez seja melhor atualizar as dificuldades do homem contemporâneo para encontrar uma resposta mais adequada.


SYLVIA VARGAS, artista plástica

Qual seu propósito nesta desconstrução da geometria e da lógica desta produção artística contemporânea?


CÉLIA - O meu propósito em montar uma exposição é expor a minha lógica. É uma oportunidade para pensar.

A exposição é o culminar de um processo, que pode prosseguir a partir dali ou não.


TAMARA - Não tenho nenhum propósito de desconstruir nada a não ser os meus preconceitos.


ANA BEATRIZ PETRIU, diretora Yázigi Taubaté

Célia, porque seus inutilitários ficam sempre num canto das mesas e nunca no Centro?


CÉLIA - A disposição em cima das mesas de modo nenhum é casual. Assim como não é casual o enquadramento nas fotografias, onde todos os elementos contam por mais simples que sejam, como a presença do ar ou uma parede imensa. Ao colocá-los em cima da mesa ao invés de um suporte mais neutro, quero dar início a uma pequena representação. A mesa também fala, como falam as cadeiras e todo o espaço que envolve a instalação. Vejo a mesa como um palco onde os personagens se distribuem e percorrem esse espaço de representação em busca do seu papel nessa atuação. Essa parte do processo é a mais multiplicadora, pois qualquer movimento diferente provoca uma nova situação uma conversa “entre as coisas” diferente, que pode encaminhar para sentidos completamente diferentes. Resta-me portanto, no momento da exposição, delimitar os resultados, de uma maneira um tanto manipuladora, para que os discursos não se esvaiam em tantos que no final fique apenas um zumbido ruidoso. Mas é preciso também, aproveitar essa veia perfomática que os objetos têm, quando nos representam a nós.


ULYSSES BÔSCOLO, artista plástico.

Na verdade, o que eu gosto de pensar quando leio a biografia de muitos artistas é: como fazemos para trabalhar a matéria e a memória no tempo? Porque são duas "estradas" que podemos nos perder (ou nos encontrar) muito fácil. Pergunto: o que é o "prazer" do silêncio? A matéria e a memória para alguns são barulhos e para outros apenas uma espécie de paz confortável, na segurança de um ateliê longe do centro da cidade... Pensando agora, que estou em São Paulo... Neste mês de julho em uma "névoa" de obras, para todos os lados.


CÉLIA - O prazer do silêncio é o privilégio de poder falar e gritar calado. Não sei como fazemos para trabalhar a matéria e a memória no tempo, não sei como acontece, sei que algo acaba quando deixamos de o fazer.


TAMARA - Bem, como não entendi sua pergunta imediatamente, passei a imaginar os sentidos de cada palavra. Depois disso, posso dizer:


1) As palavras matéria, memória, tempo, prazer e silêncio permanecem muito abstratas para mim e não consigo perceber o contexto em que elas se inserem;


2) Imaginando o silêncio como sendo uma entidade, passei a vê-lo rir de mim. Vi que ele sente prazer ao me ver pensar a respeito de um ditado zen – se não me engano: Qual é um som do encontro de duas mãos ao baterem palmas? Você já ouviu, não é? Porém, qual é o som de apenas uma palma da mão ao bater no ar? Talvez o “deus do silêncio” divirta-se comigo ao me ver pensar nisso. Talvez seja este o prazer do silêncio: perceber que alguém está tentando desvendar sua essência de silêncio.